Economia do mar<br>– mistificações e realidade
A economia do mar ou ultimamente também designada economia azul, se objectivamente pode constituir uma importante linha de desenvolvimento económico, nas circunstâncias políticas e económicas dos últimos anos tem constituído sobretudo uma importante linha de diversão e de propaganda, emanada a partir de alguns dos centros de difusão ideológica que suportam a política de direita. Ou, usando linguagem de publicitário, «o mar é o que está a dar».
Directa ou indirectamente relacionadas com o mar, coexistem, muitas das vezes no quadro de uma grande unidade orgânica, um vasto e muito diversificado conjunto de actividades económicas, mas não só, sejam as mais tradicionais, como o transporte marítimo e as pescas e as infra-estruturas portuárias e outras actividades logísticas a montante, de que destacamos a construção e reparação naval, o turismo da orla costeira, a aquacultura, a produção salineira, a indústria conserveira e de transformação do pescado, e outras, que embora também tradicionais se encontram numa fase de desenvolvimento menos madura, como os desportos náuticos e os cruzeiros, e actividades recentes ou até futuras, como sejam a exploração de combustíveis fósseis (petróleo e gás natural) ou de recursos geológicos nos fundos e no subsolo do off-shore, as energias renováveis (eólica, das ondas, das marés e outras) e um conjunto de biotecnologias usando organismos vivos do mar.
Na vertente do exercício da soberania, de destacar a estratégica questão da fiscalização e vigilância do mar sob jurisdição nacional, usando meios navais e aéreos.
De há cerca de pelo menos uma década para cá, a União Europeia, naturalmente que veiculando os interesses estratégicos do grande capital europeu, começou a dar uma significativa atenção às questões associadas ao mar, particularmente às de carácter mais marcadamente económico, nomeadamente através da chamada Política Marítima Integrada, consubstanciada nos seus Livro Verde e Livro Azul.
Esta posição da UE, no quadro do tradicional mimetismo que caracteriza o poder em Portugal, teve impactos significativos no nosso País, não no campo da economia e do desenvolvimento com era necessário, mas no estrito e exclusivo quadro do discurso político e da propaganda, em que os actores da política de direita começaram a fazer da temática do mar uma das bandeiras da sua intervenção política, com destaque para Cavaco Silva e o Governo PSD/CDS, particularmente na sua componente CDS, ou seja, exactamente os mesmos que, a par do PS, promoveram durante décadas a sistemática destruição da quase totalidade das actividades tradicionais, colocando Portugal de costas para o mar, vulnerabilizando também por essa via a nossa economia e a nossa soberania.
Tempo da diversão
Sobre estas questões, desde já as observações seguintes: a primeira, é a de que os interesses e as necessidades da UE nesta, como noutras matérias, se identificam sobretudo com as novas actividades associadas ao mar, pois que relativamente às tradicionais estas estão plenamente alcançadas, seja a existência da marinha de comércio (a maior do mundo), seja a existência de uma relevante indústria de construção e reparação naval, sejam os portos de comércio dos mais importantes do mundo, sejam frotas de pesca importantes e com elevados níveis de capturas, sejam poderosas empresas de cruzeiros, seja uma forte investigação em áreas associadas ao mar, etc.; a segunda, é que ao contrário da UE, a política de direita tem esvaziado e destruído os chamados sectores tradicionais, encontrando-se portanto numa situação inversa da UE, ao mesmo tempo que importantes instrumentos de política marítima, como a Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020 (na linha da anterior) e a Lei de Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional (LOEMN), valorizaram dominantemente as novas actividades, algumas que ainda nem sequer existem, e ignoram ou desvalorizam as actividades tradicionais, num posicionamento antinacional e pro-interesses do grande capital internacional com pretensões sobre os recursos geológicos e energéticos do off-shore, ou os grandes e financeiramente apoiados negócios da aquacultura, sendo de realçar que na sequência da aplicação de alguns artigos da LOEMN, que de alguma forma privatizam parcelas do espaço marítimo, se está a atacar os direitos históricos dos pescadores e da pesca artesanal e costeira, com imediatas e graves consequências para esta tão importante actividade, um dos pilares do exercício da nossa soberania alimentar; a terceira, é que sob o ponto de vista exclusivamente técnico foram produzidos alguns documentos de significativa valia, ou que não sejam de aplaudir os trabalhos da Estrutura de Missão para o Alargamento da Plataforma Continental, oportunamente colocada à submissão da ONU.
Em síntese, nesta como noutras áreas, caso da chamada reindustrialização, estamos no tempo da diversão e da propaganda, o que, no caso do mar, se passará, se houver condições, à ulterior fase dos grandes negócios.
O PCP tem tido desde sempre, relativamente às questões relacionadas com o mar, uma postura oposta a esta, postura patriótica e independente de modas ou de orientações da UE, pois pensamos o mar como uma base material objectiva para o desenvolvimento e o exercício da soberania nacional.
De facto, desde sempre defendemos a necessidade de uma marinha de comércio.
De facto, sempre defendemos uma indústria de construção e reparação naval, base para a concretização do Programa Nacional de Relançamento da Marinha de Comércio, para além da continuação do programa de construção de patrulhas oceânicos e outros navios da Marinha de Guerra, bem como do apoio às actividades da pesca, de recreio e de cruzeiros.
De facto, sempre e em quaisquer circunstâncias defendemos as pescas nacionais, bem como as actividades relacionadas a jusante, como a indústria conserveira e a da transformação de pescado. Também desde sempre promovemos a cultura e as vivências associadas às povoações ligadas à pesca.
De facto, sempre defendemos um Plano Nacional de Portos, em estrita articulação com um Plano Nacional de Transportes, ambos em estrita articulação com os instrumentos de ordenamento do território.
Também defendemos a urgente elaboração e concretização de um Plano Estratégico de Defesa da Orla Costeira.
Também sempre defendemos o aumento da capacidade em recursos humanos e materiais da investigação e desenvolvimento associados ao mar.
E muitas outras linhas de desenvolvimento, nomeadamente às novas actividades que obviamente não enjeitamos face às suas elevadas potencialidades, mas que deverão ser desenvolvidas no quadro do exercício da soberania nacional e de um insubstituível papel do Estado, ou seja no quadro da política patriótica e de esquerda que o PCP defende.