Economia do mar<br>– mistificações e realidade

Fernando Sequeira

A eco­nomia do mar ou ul­ti­ma­mente também de­sig­nada eco­nomia azul, se ob­jec­ti­va­mente pode cons­ti­tuir uma im­por­tante linha de de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, nas cir­cuns­tân­cias po­lí­ticas e eco­nó­micas dos úl­timos anos tem cons­ti­tuído so­bre­tudo uma im­por­tante linha de di­versão e de pro­pa­ganda, ema­nada a partir de al­guns dos cen­tros de di­fusão ide­o­ló­gica que su­portam a po­lí­tica de di­reita. Ou, usando lin­guagem de pu­bli­ci­tário, «o mar é o que está a dar».

Di­recta ou in­di­rec­ta­mente re­la­ci­o­nadas com o mar, co­e­xistem, muitas das vezes no quadro de uma grande uni­dade or­gâ­nica, um vasto e muito di­ver­si­fi­cado con­junto de ac­ti­vi­dades eco­nó­micas, mas não só, sejam as mais tra­di­ci­o­nais, como o trans­porte ma­rí­timo e as pescas e as infra-es­tru­turas por­tuá­rias e ou­tras ac­ti­vi­dades lo­gís­ticas a mon­tante, de que des­ta­camos a cons­trução e re­pa­ração naval, o tu­rismo da orla cos­teira, a aqua­cul­tura, a pro­dução sa­li­neira, a in­dús­tria con­ser­veira e de trans­for­mação do pes­cado, e ou­tras, que em­bora também tra­di­ci­o­nais se en­con­tram numa fase de de­sen­vol­vi­mento menos ma­dura, como os des­portos náu­ticos e os cru­zeiros, e ac­ti­vi­dades re­centes ou até fu­turas, como sejam a ex­plo­ração de com­bus­tí­veis fós­seis (pe­tróleo e gás na­tural) ou de re­cursos ge­o­ló­gicos nos fundos e no sub­solo do off-shore, as ener­gias re­no­vá­veis (eó­lica, das ondas, das marés e ou­tras) e um con­junto de bi­o­tec­no­lo­gias usando or­ga­nismos vivos do mar.

Na ver­tente do exer­cício da so­be­rania, de des­tacar a es­tra­té­gica questão da fis­ca­li­zação e vi­gi­lância do mar sob ju­ris­dição na­ci­onal, usando meios na­vais e aé­reos.

De há cerca de pelo menos uma dé­cada para cá, a União Eu­ro­peia, na­tu­ral­mente que vei­cu­lando os in­te­resses es­tra­té­gicos do grande ca­pital eu­ropeu, co­meçou a dar uma sig­ni­fi­ca­tiva atenção às ques­tões as­so­ci­adas ao mar, par­ti­cu­lar­mente às de ca­rácter mais mar­ca­da­mente eco­nó­mico, no­me­a­da­mente através da cha­mada Po­lí­tica Ma­rí­tima In­te­grada, con­subs­tan­ciada nos seus Livro Verde e Livro Azul.

Esta po­sição da UE, no quadro do tra­di­ci­onal mi­me­tismo que ca­rac­te­riza o poder em Por­tugal, teve im­pactos sig­ni­fi­ca­tivos no nosso País, não no campo da eco­nomia e do de­sen­vol­vi­mento com era ne­ces­sário, mas no es­trito e ex­clu­sivo quadro do dis­curso po­lí­tico e da pro­pa­ganda, em que os ac­tores da po­lí­tica de di­reita co­me­çaram a fazer da te­má­tica do mar uma das ban­deiras da sua in­ter­venção po­lí­tica, com des­taque para Ca­vaco Silva e o Go­verno PSD/​CDS, par­ti­cu­lar­mente na sua com­po­nente CDS, ou seja, exac­ta­mente os mesmos que, a par do PS, pro­mo­veram du­rante dé­cadas a sis­te­má­tica des­truição da quase to­ta­li­dade das ac­ti­vi­dades tra­di­ci­o­nais, co­lo­cando Por­tugal de costas para o mar, vul­ne­ra­bi­li­zando também por essa via a nossa eco­nomia e a nossa so­be­rania.

Tempo da di­versão

Sobre estas ques­tões, desde já as ob­ser­va­ções se­guintes: a pri­meira, é a de que os in­te­resses e as ne­ces­si­dades da UE nesta, como nou­tras ma­té­rias, se iden­ti­ficam so­bre­tudo com as novas ac­ti­vi­dades as­so­ci­adas ao mar, pois que re­la­ti­va­mente às tra­di­ci­o­nais estas estão ple­na­mente al­can­çadas, seja a exis­tência da ma­rinha de co­mércio (a maior do mundo), seja a exis­tência de uma re­le­vante in­dús­tria de cons­trução e re­pa­ração naval, sejam os portos de co­mércio dos mais im­por­tantes do mundo, sejam frotas de pesca im­por­tantes e com ele­vados ní­veis de cap­turas, sejam po­de­rosas em­presas de cru­zeiros, seja uma forte in­ves­ti­gação em áreas as­so­ci­adas ao mar, etc.; a se­gunda, é que ao con­trário da UE, a po­lí­tica de di­reita tem es­va­ziado e des­truído os cha­mados sec­tores tra­di­ci­o­nais, en­con­trando-se por­tanto numa si­tu­ação in­versa da UE, ao mesmo tempo que im­por­tantes ins­tru­mentos de po­lí­tica ma­rí­tima, como a Es­tra­tégia Na­ci­onal para o Mar 2013-2020 (na linha da an­te­rior) e a Lei de Or­de­na­mento do Es­paço Ma­rí­timo Na­ci­onal (LOEMN), va­lo­ri­zaram do­mi­nan­te­mente as novas ac­ti­vi­dades, al­gumas que ainda nem se­quer existem, e ig­noram ou des­va­lo­rizam as ac­ti­vi­dades tra­di­ci­o­nais, num po­si­ci­o­na­mento an­ti­na­ci­onal e pro-in­te­resses do grande ca­pital in­ter­na­ci­onal com pre­ten­sões sobre os re­cursos ge­o­ló­gicos e ener­gé­ticos do off-shore, ou os grandes e fi­nan­cei­ra­mente apoi­ados ne­gó­cios da aqua­cul­tura, sendo de re­alçar que na sequência da apli­cação de al­guns ar­tigos da LOEMN, que de al­guma forma pri­va­tizam par­celas do es­paço ma­rí­timo, se está a atacar os di­reitos his­tó­ricos dos pes­ca­dores e da pesca ar­te­sanal e cos­teira, com ime­di­atas e graves con­sequên­cias para esta tão im­por­tante ac­ti­vi­dade, um dos pi­lares do exer­cício da nossa so­be­rania ali­mentar; a ter­ceira, é que sob o ponto de vista ex­clu­si­va­mente téc­nico foram pro­du­zidos al­guns do­cu­mentos de sig­ni­fi­ca­tiva valia, ou que não sejam de aplaudir os tra­ba­lhos da Es­tru­tura de Missão para o Alar­ga­mento da Pla­ta­forma Con­ti­nental, opor­tu­na­mente co­lo­cada à sub­missão da ONU.

Em sín­tese, nesta como nou­tras áreas, caso da cha­mada rein­dus­tri­a­li­zação, es­tamos no tempo da di­versão e da pro­pa­ganda, o que, no caso do mar, se pas­sará, se houver con­di­ções, à ul­te­rior fase dos grandes ne­gó­cios.

O PCP tem tido desde sempre, re­la­ti­va­mente às ques­tões re­la­ci­o­nadas com o mar, uma pos­tura oposta a esta, pos­tura pa­trió­tica e in­de­pen­dente de modas ou de ori­en­ta­ções da UE, pois pen­samos o mar como uma base ma­te­rial ob­jec­tiva para o de­sen­vol­vi­mento e o exer­cício da so­be­rania na­ci­onal.

De facto, desde sempre de­fen­demos a ne­ces­si­dade de uma ma­rinha de co­mércio.

De facto, sempre de­fen­demos uma in­dús­tria de cons­trução e re­pa­ração naval, base para a con­cre­ti­zação do Pro­grama Na­ci­onal de Re­lan­ça­mento da Ma­rinha de Co­mércio, para além da con­ti­nu­ação do pro­grama de cons­trução de pa­tru­lhas oceâ­nicos e ou­tros na­vios da Ma­rinha de Guerra, bem como do apoio às ac­ti­vi­dades da pesca, de re­creio e de cru­zeiros.

De facto, sempre e em quais­quer cir­cuns­tân­cias de­fen­demos as pescas na­ci­o­nais, bem como as ac­ti­vi­dades re­la­ci­o­nadas a ju­sante, como a in­dús­tria con­ser­veira e a da trans­for­mação de pes­cado. Também desde sempre pro­mo­vemos a cul­tura e as vi­vên­cias as­so­ci­adas às po­vo­a­ções li­gadas à pesca.

De facto, sempre de­fen­demos um Plano Na­ci­onal de Portos, em es­trita ar­ti­cu­lação com um Plano Na­ci­onal de Trans­portes, ambos em es­trita ar­ti­cu­lação com os ins­tru­mentos de or­de­na­mento do ter­ri­tório.

Também de­fen­demos a ur­gente ela­bo­ração e con­cre­ti­zação de um Plano Es­tra­té­gico de De­fesa da Orla Cos­teira.

Também sempre de­fen­demos o au­mento da ca­pa­ci­dade em re­cursos hu­manos e ma­te­riais da in­ves­ti­gação e de­sen­vol­vi­mento as­so­ci­ados ao mar.

E muitas ou­tras li­nhas de de­sen­vol­vi­mento, no­me­a­da­mente às novas ac­ti­vi­dades que ob­vi­a­mente não en­jei­tamos face às suas ele­vadas po­ten­ci­a­li­dades, mas que de­verão ser de­sen­vol­vidas no quadro do exer­cício da so­be­rania na­ci­onal e de um in­subs­ti­tuível papel do Es­tado, ou seja no quadro da po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que o PCP de­fende.




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